sábado, 13 de setembro de 2014

Curso básico sobre deficiência visual - 1º módulo em Governador Valadares - MG \ MEC

Texto: “A insustentável leveza do braille”

Foto do curso (Elaine)
“O sistema braile é universalmente associado à falta da visão e, como símbolo de cegueira, desperta curiosidade, fantasias e sentimentos. Para as pessoas que não conhecem essa modalidade de escrita e leitura, ao primeiro contato, o braile representa apenas pontos bordados no papel, um conjunto de grãos ou de caroços esculpidos em uma superfície lisa, um código indecifrável, uma incógnita, um mistério, uma espécie de hieróglifos... Para as pessoas cegas, representa uma alternativa que amplia as possibilidades de informação, um dispositivo emancipatório e desafiador.

Foto do curso (Elaine)
Confecção do sistema braille em EVA 

A assimilação do braile em minha experiência pessoal caracterizou-se por um movimento dúbio e hesitante de aproximação e recuo, impregnado de sentido de perda. Nasci com acuidade e campo visual reduzidos e utilizei recursos ópticos que me possibilitavam o reconhecimento de cores, imagens e objetos próximos dos olhos. Tratava-se de um resíduo visual mais ou menos estável durante a infância e a adolescência; este resíduo esvaiu-se progressivamente e de forma irreversível na idade adulta, apesar de minhas tentativas no sentido de preservá-lo. A perspectiva do braile, neste contexto, representou uma ameaça que pesava como chumbo, causava tensões, ansiedades e sentimentos ambivalentes. Era como se fosse um veredicto, um atestado, uma rendição definitiva ao estado de cegueira, aquela cegueira anunciada contra a qual lutei até a inevitável derrota.
Nem todos alcançavam esta dimensão conflituosa do braile em um momento crucial de minha vida. Por isto, era difícil conviver com as pressões e críticas abertas ou veladas dos que mostravam as vantagens e os ganhos desta aquisição e questionavam meu aparente desinteresse ou a resistência em relação ao aprendizado deste sistema. Entretanto, não convém impor o braile como se fosse um paliativo emergencial ou a mera instrução mecânica de uma técnica redentora que pode ser assimilada automaticamente diante da privação do sentido da visão. Assim, tive que vencer alguns traumas e fantasmas para fazer aflorar o desejo de aprender o braile.
As primeiras tentativas foram desanimadoras, pois a tensão muscular e a fadiga faziam-me desistir temporariamente. O código braile é simples, objetivo, lógico e facilmente compreensível. Difícil é a morosidade da escrita e a assimilação da leitura tátil que foi árdua, tediosa e lenta; produzia dormência e formigamento nas mãos e nos braços, o que tornava a posição dos pontos sob o tato de difícil discriminação. Ao escrever, apertava o punção como se fosse perfurar uma superfície rochosa. Mesmo assim, insistia quase diariamente, ainda que por pouco tempo, consciente da necessidade e não pelo prazer de aprender. O prazer veio depois, quando consegui decifrar, sem sacrifícios, aquele denso pontilhado aparentemente desprovido de sentido.
Ao concluir o curso, alguns meses depois, percebi que seria necessário aprimorar a técnica de leitura para alcançar uma maior agilidade e destreza tátil. Então, tratei de unir o útil ao agradável, ao associar o treino do braile à aquisição de novas habilidades e conhecimentos. Por exemplo, usei o braile para aprender noções de inglês e ainda uso para exercitar o espanhol por meio de publicações editadas por instituições internacionais. Recentemente, entrei em contato com o esperanto através do braile. Costumo levar uma revista ou um livro de literatura para ler em hotéis, aeroportos, ônibus e aviões durante minhas viagens.

SÁ, Elisabet Dias. A Insustentável leveza do Braile. In: ANAIS DO PRIMEIRO SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE O SIS­TEMABRAILLE SEESP/MEC - Secretaria de Educação Especial / Ministério da Educação. Disponível em : http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=11117


                                                                       Foto do curso (Elaine)

Depoimento de um surdocego e a Educação Inclusiva

“Meu nome é Cristian Elvis Fernandes e neste artigo relato meus caminhos na inclusão.
Sou filho de um casal de primos de primeiro grau e tenho retinose pigmentar há suspeita de que tenho Síndrome de Usher, que é uma doença genética com perda auditiva e perda visual gradativa. Hoje possuo apenas 5% de visão e 50% de audição; sendo assim, no ouvido direito tenho perda severa e no ouvido esquerdo perda moderada.
A minha vida estudantil se iniciou no ano de 1984 quando eu e a minha família nos mudamos de Osasco para Bauru, São Paulo. Logo ao chegarmos na cidade a minha avó materna procurou a Diretoria de Ensino para localizar a sala de recursos D.V.. Ao chegar, ficou sabendo que a sala de recursos seria fundada dentro de 6 meses. Após os 6 meses fui matriculado na sala de recursos que se localizava na E.E. Rodrigues de Abreu que tinha uma Pedagoga especializada em deficiência visual, eu estudava nessa sala no período da manhã, e no período da tarde eu freqüentava a 1º série na escola regular adventista.
Com o auxilio da Pedagoga especializada eu sempre tirei as boas notas. Devido à minha deficiência visual e também na época não existia o recurso tecnológico, a Pedagoga tinha que transcrever todos os meus livros de leitura em uma folha branca com um pincel hidrocor e assim pude chegar até a 4ª série.
Quando cheguei na 5ª série tive algumas dificuldades com a divisão de matérias; a escola adventista me fez a sugestão de cursar o supletivo das séries ginasiais no CEESUB (Centro de Ensino Supletivo). Sendo assim, estudava os módulos na sala de recursos e ia no CEESUB para fazer as avaliações.
No início do ano de 1996, eu ganhei uma bolsa de estudos para cursar o ensino médio na capital de São Paulo no Instituto Adventista de Ensino. Para eu morar fora de casa tive que enfrentar alguns desafios, mas ao mesmo tempo, foram momentos muito oportunos para a minha independência. Além do Ensino Médio, no ano de 1997, fui agraciado com uma bolsa da Entidade Solidária, para fazer um curso de Informática para deficiente visual na LARAMARA (Associação Brasileira de Apoio ao Deficiente Visual).
No final do ano de 1999, prestei o vestibular para o curso de Psicologia na Universidade do Sagrado Coração[30]–Bauru (São Paulo) e fui aprovado. Cursei Psicologia até o final do ano de 2002, mas por ter tido mais perda visual e auditiva comecei a perder muito conteúdo na sala de aula e, como sempre estava envolvido com a área da educação, no inicio de 2003, passei a cursar Pedagogia. A Universidade do Sagrado Coração é de caráter filantrópico, sendo assim, ela vem procurando proporcionar inúmeros benefícios para a melhoria da qualidade do ensino dos alunos universitários portadores de necessidades especiais. Com apoio da CORDE e a mobilização dos alunos, a Universidade criou um centro de estudos na biblioteca totalmente equipado com recursos tecnológicos para pesquisas, trabalhos acadêmicos desses alunos. Os materiais tecnológicos que possuímos são: computador com sintetizador de voz, impressora em Braille, máquina de datilografia Braille e Lupa eletrônica de ampliação de textos. A universidade também vem me proporcionando uma monitora, ou seja uma aluna do mesmo curso, que me auxilia durante 16h semanais. A universidade oferece um desconto nas mensalidades dela e, em troca, ela me auxilia nas leituras e nos trabalhos acadêmicos. O nome da minha monitora é Silvia Carla Lopes. Ela tem demonstrado ser uma pessoa muito esforçada e dedicada, e desde que ela começou a me auxiliar, os meus rendimentos acadêmicos melhoraram uns 70%. No exato momento estou cursando o 3º ano de Pedagogia e minhas notas vêm sendo excelentes. Para melhorar os meus rendimentos em sala de aula, eu utilizo um aparelho que se denomina Loops, que funciona como um amplificador de som e voz, assim posso compreender melhor as aulas e as palestras dos meus professores da universidade. Esse aparelho é sueco custa 3.200,00 dólares consegui por meio da ABRASC, Associação Brasileira de Surdocegos, da qual sou membro.
Ao concluir meu depoimento, gostaria de dizer que quando se tem um sonho e um objetivo na vida, não é pelas deficiências que devemos deixar de lutar por eles. Quando buscamos alcançar um alvo ou mesmo a conclusão de um curso superior e uma vaga no mercado de trabalho tendo muita perseverança, persistência e com o apoio da família e da sociedade no final conquistamos. Gostaria de lançar um desafio ao MEC e aos Reitores e Reitoras das universidades: tome o centro de estudos da USC como um exemplo e que, em cada Universidade que tiver um aluno universitário portador de necessidades especiais, venha a ser criado um centro como esse. O auxílio de monitores melhorará a qualidade de ensino e de vida desses educandos tão especiais.”

[29]FERNANDES, Cristian Elvis. Quando se tem um sonho e um objetivo na vida, não é pelas deficiências que devemos deixar de lutar por eles. [depoimento online].Disponível em:http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=14188>.dez.2004.
[30]Universidade do Sagrado Coração. Disponível em :http://www.usc.br/>.

                                         Confecção da poesia "As borboletas"   Vinícius de Morais -Foto do curso (Elaine)

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